... Qualquer semelhança com uma coincidência é a mera realidade

Vaidade das vaidades, tudo é vaidade

Quem trabalha em escritório sabe como é. A cada três ou quatro anos, aqueles computadores que usamos precisam ser atualizados. Afinal, a tecnologia evolui, e o 486 teve que virar Pentium pra poder executar a nova versão do Paciência com cartas coloridas, a memória teve que aumentar para poder rodar o Facebook e o Twitter ao mesmo tempo sem engasgar, e o HD de 100 Gb já não dá conta da coleção de vídeos baixados pelo torrent. E a tela touch então? Como poderemos trabalhar sem esticar o braço e meter o dedo na tela a toda hora, deixando manchas de gordura e tendinites espalhadas pra todo lado?

É nessa hora que a empresa resolve fazer a chamada “atualização do parque tecnológico”. Micros novos serão comprados, os antigos serão doados a alguma escola que não tem tomadas suficientes pra ligar todos eles, e agora sim, a empresa vai. Mas claro que não dá para trocar todos os computadores de uma só vez, é preciso toda uma operação de guerra pra realizar a troca. Os arquivos pessoais (leia­-se músicas, vídeos e as fotos da família toda de férias no Guarujá) precisam ser migrados para o HD do novo micro, assim como as planilhas de trabalho que nunca são armazenadas nos servidores da rede, apesar dos alertas da área de TI de que backup só existe para o que está na rede. Os micros antigos precisam ser retirados e colocados no depósito, numa operação casada para trazer os novos do depósito e colocá­-los no lugar dos antigos. Tudo isso sem perda de tempo, pois durante toda essa operação o funcionário vai ficar sem acessar a internet.

Para organizar essa bagunça, a área de TI estabelece um cronograma de troca, por área da empresa e, dentro da área, por seção. Tudo organizado para que a troca aconteça da maneira mais suave possível, e não haja interrupções nos processos críticos de trabalho. Mas é aí que começa o problema.

Quando chega na segunda­-feira pela manhã, o chefe da seção de compras vê que os computadores da seção de vendas já estão sendo trocados. E a área de RH vê que a área de contabilidade já tem máquinas novinhas em folha, tinindo com aqueles gigas de memória e teras de HD. E eu? Quando é que vou trocar essa carroça velha que sou obrigado a usar já faz três anos? Não consigo mais trabalhar desse jeito! Não importa se até ontem, antes do anúncio da atualização do parque, aquele micro velho de guerra executava todas as minhas planilhas e editava todos os documentos que eu precisava, a partir de hoje, não tenho mais como trabalhar com essa carroça. E ainda por cima usando mouse ao invés de tela touch!

Nesse momento, o chefe da área de RH resolve que precisa ter uma conversa séria com esse pessoal de TI. Afinal, as pessoas são o principal ativo da empresa e o RH é a sua área mais importante, quero ver se o pessoal não conseguir processar a folha de pagamento. Vão ficar todos sem salário, inclusive essa área de TI que não entende os processos estratégicos da organização. Só conhecem de bits e bytes!

Pressionado, o gerente de TI chama a equipe técnica e diz que o cronograma de substituições dos equipamentos tem que mudar para se adequar às necessidades estratégicas da empresa, não sem antes dar uma chamada no estagiário, que não levou isso em conta na hora de fazer esse cronograma.

Mas o estagiário nem está prestando atenção, absorto na ideia que lhe ocorreu de que se trocasse só os monitores para touch, os usuários ficariam felizes e satisfeitos com seus micros "novos", sem nem notarem que os computadores em si ainda seriam os mesmos.

Gestão bottom up

Há vários modelos de gestão. Desde as científica e clássica (também chamadas “faz logo que eu tô mandando”), passando pela teoria das relações (ou “vamos fazer uma DR que a conversa não tá fluindo”) até a gestão participativa (“me ajuda a fazer meu próprio trabalho além do teu, que no final do mês vou te pagar a metade do que eu ganho”). Mas há empresas que já praticam uma outra
modalidade: a gestão bottom up.

A gestão bottom up acontece, como o nome sugere, de baixo pra cima. Em toda empresa, alguém é pago para decidir e alguém é pago para fazer. Quem está em cima na pirâmide organizacional decide, quem está embaixo põe em prática essa decisão. (Um parêntese: claro que aqueles que põem a mão na massa também decidem, no seu nível de atuação; aqui estou falando mais da decisão superior/estratégica). A beleza da gestão bottom up é que ela subverte essa pirâmide, ou mais precisamente, a nivela por cima.

Há momentos em que é necessário indicar um rumo, tomar uma decisão que indique o direcionamento de uma organização. Nessas horas, a equipe espera que a chefia exerça o papel que lhe cabe e indique essa direção, para que todos possam prosseguir no mesmo caminho. Mas quando essa chefia não aparece é que a gestão bottom up surge. Aliás, eles, a chefia e a gestão bottom up, são como a luz e a escuridão: se um está lá, o outro desaparece; se o outro dá as caras, o primeiro some.

Aguardando uma decisão dos chefes, os funcionários param seu trabalho, para não prosseguirem numa vereda que depois terão de voltar atrás. Mas quanto mais a chefia demora em tomar essa decisão, mais a equipe fica pressionada: os stakeholders precisam de uma resposta; os usuários precisam de um sistema; os fornecedores precisam de seu pagamento. Sem poder fazer nada enquanto os chefes não deliberam, é a equipe quem tem que segurar a pressão da falta de decisão.

Até que o dique se rompe.

Sem poder mais esperar, o chão de fábrica resolve decidir o que fazer. Tomando as rédeas da empresa nas mãos, puxa o cabresto para o lado que lhe parece o melhor. Afinal, não dá mais para segurar as cobranças entupindo suas caixas de e­-mail nem o telefone tocando a toda hora querendo saber quando o sistema vai ficar pronto. Individualmente ou em grupo, a rafameia resolve resolver. Esse é o bottom em ação.

Mas e o up? Deliberando sem fim sobre a melhor estratégia e a melhor estrutura organizacional para fazer frente a esse mundo complexo e interconectado, os chefes gastam dias e dias em reuniões cheias de análises SWOT e gráficos de espinhas de peixe que demonstrem, fundamentados no último grito em análise organizacional, que a estrutura interconectada da empresa, no contexto dos ambientes interno e externo sempre em mutação, pede uma cultura organizacional que faça frente a essa problemática, sempre tendo como base a gestão do conhecimento e as competências intrínsecas e extrínsecas da organização. Mas já é tarde demais.

Tomada por uma fúria de fazer, a rafameia irrompe na sala de reunião e apresenta para a chefia a decisão que deve ser tomada. Baseada nos recursos disponíveis e no problema que precisa ser resolvido, a plebe apresenta um plano de ação de dois pontos (ou três, se o problema for mesmo complexo), indicando quem tem que fazer o que e até quando. Tomados de surpresa, os chefes ouvem a proposta e condescendem, meneando a cabeça e olhando uns para os outros, como quem diz “esses meninos, não conseguem ver a floresta além da árvore...” Nesse momento, a pirâmide de decisão se achata e, assim como a chefia, o chão de fábrica exerce a função de decidir a estratégia. Mas que fique claro que isso é só uma solução paliativa, enquanto não terminamos o SWOT.

O curioso caso da aposentadoria

Nunca se perguntou por que os velhos não fazem mais nada depois que se aposentam? A resposta é muito simples: porque são velhos. Homens e mulheres que até ontem estavam contribuindo para a sociedade, agora estão de pijamas, tomando sopa com torradas no jantar e suco de laranja com pílulas. O vigor e a força da juventude já foram embora, e sobraram as costas arqueadas e as orelhas compridas.

Claro que generalizo a questão. Há muitos velhos que vivem como jovens e jovens que se arrastam como velhos. Mas meu ponto é outro.

Quando estamos no auge da juventude, cheios de energia, vontade e curiosidade, temos que passar oito horas por dia, cinco dias por semana, sentados dentro de um escritório frio e mal iluminado. Ficamos parados sedentariamente na frente de um computador, mexendo apenas as mãos freneticamente enquanto digitamos e-mails para três ou quatro destinatários, com cópia para o chefe, olhando nas pausas pela janela para o dia ensolarado e convidativo do lado de fora. Isso quando não trabalhamos no CPD do subsolo.

Quando chega o final de semana, temos só dois dias para “aproveitar a vida”. Como não podemos fazer uma viagem realmente interessante e conhecer outras culturas em meros dois dias, gastamos esse tempo lendo algum livro que ficou fechado na cabeceira da cama durante a semana ou tomando banho de piscina no clube, se estiver fazendo sol. Quando ocorre um feriadão, aproveitamos para viajar para a fazenda da tia no interior.

E o desejo de conhecer o mundo? Ler todos os livros da lista? Tirar as fotos mais interessantes? Assistir aos filmes mais instigantes? Viajar, comer, viver? Guardamos parte disso para o final de semana e reservamos as férias, um mês em doze, para realizarmos esses desejos. E seguimos nesse ritmo frenético até que, aos cinquenta e poucos ou sessenta anos, nos aposentamos. Agora não precisamos mais ocupar oito horas do dia no trabalho e temos todo o tempo do mundo – ou que nos resta em nossas vidas – para fazermos tudo o que não tivemos tempo de fazer nos anos de trabalho anteriores. Mas já estamos tão cansados, tão enfadados, tão pouco curiosos e com a saúde tão debilitada que é melhor pôr as meias e assistir à TV. Deixa essa coisa de viver a vida para os jovens.

Por isso proponho uma outra aposentadoria. Uma aposentadoria à la Benjamin Button, ao contrário e aos poucos. Quando entrássemos no mercado de trabalho, trabalharíamos apenas um dia por semana. Teríamos seis dias para viajar, comer, ler e viver. Fora as férias. À medida que fôssemos envelhecendo, iríamos aumentando o ritmo de trabalho: dois dias por semana, depois três, quatro, até que estivéssemos trabalhando cinco dias por semana, perto dos sessenta anos. Então teríamos a condição física ideal para ficarmos sentados a maior parte da nossa vida mexendo em um teclado. E teríamos aproveitado a vida.

Parabéns para mim

Um grupo de trabalho tem pessoas com as mais variadas diferenças: de opção sexual – seja de forma declarada ou não –, de temperamento, de cor de pele, de idade. É com relação a esse último item que eu quero me deter neste post.

Dependendo de onde esteja empregada, uma pessoa pode conviver com desde estagiários impúberes – ou melhor ainda, estagiárias impúberes – a octogenários que esqueceram de recolher o INSS e agora têm que continuar no batente para pagar o parto da neta impúbere até ontem, que resolveu estagiar e engravidou do office-boy.

De toda maneira, considerando a distribuição normal de ocorrência de relações sexuais ao longo do ano e desprezando os efeitos sazonais dos nove meses após carnaval e réveillon, todos os meses temos alguém no escritório fazendo aniversário. E junto temos ela, a famigerada festa de aniversariantes do mês.

Geralmente uma pessoa da equipe é escolhida para o cargo de responsável pela festa de aniversariantes, ou RPFA. Sem gratificação financeira ou de qualquer espécie, o ocupante desse cargo tem a ingrata tarefa de todo mês contratar um pequeno bufê, arrumar a mesa onde vão ser servidos os comes e bebes – se tiver sorte, com a ajuda da secretária, que sempre fica mal humorada nesse dia –, controlar a chegada dos quitutes, manter os salgadinhos quentes e os refrigerantes gelados até a hora da festa e decorar a sala de reuniões transformada em salão de festa com balõezinhos coloridos. Mas nada disso se compara à mais infame das tarefas: recolher o dinheiro para bancar o convescote.

RPFA inteligentes terceirizam a passagem do chapéu à estagiária grávida ou ao office-boy. Mas esses são poucos. Os menos inteligentes, ou mais ainda, os neófitos no cargo, animados com a possibilidade de promoverem uma coisa muito melhor do que aquelas festas sem graça e com comida regulada que aconteceram antes de sua posse, fazem questão de executar tudo eles mesmos, para garantir que nada saia errado.

Esse RPFA então passa de baia em baia, mesa em mesa, recolhendo aquele dinheiro que não paga nem um almoço no bandejão do prédio ao lado. Mas não obstante a miudeza do valor, a miudeza do caráter sempre revela alguns que acham que está caro, que esse dinheiro, mesmo pouco mas que multiplicado por todos do escritório é muito, daria para comprar risoles e suco de pêssego ao invés de coxinha e guaraná. Isso quando não pagam e depois descobrem que têm reunião no horário programado para a festa e pedem o dinheiro de volta, já que não vão poder mais participar. Dane-se se o RPFA já fez a encomenda do bufê considerando mais aquela boca pra alimentar.

Ao final, cantados os devidos parabéns e cumprimentados os aniversariantes que metade dos presentes não sabe nem o nome, voltam todos às suas baias para trabalhar. E nos dias seguintes, os comentários sobre a festa variam de estava ótima a foi comida demais, pra que esse exagero? Os que gostam de chocolate reclamando que só tem bolo de morango, os que estão de regime falando que nunca pedem coca light. Mas ninguém fala nada na frente do RPFA – a não ser aquele que disse que a festa estava ótima –, pois não querem correr o risco dele desistir da tarefa e serem eles os próximos candidatos a ocupar o cargo.

Até que um dia o RPFA desiste. Chega, já deu sua contribuição. Não aguenta mais a cara feia da secretária na hora de arrumar a mesa nem o muxoxo que ouve no recolhimento das contribuições. Está na hora de passar o bastão. Gente nova, sangue novo. Então um novo RPFA toma posse – e nunca se sabe muito bem como foi o processo de seleção –, animado com a oportunidade de dali em diante fazer festas muito melhores do que aquelas sem graça e com comida regulada do RPFA anterior.

Minha vez de jogar

Gerenciar um projeto é uma empreitada que consome completamente uma pessoa. De acordo com a quarta edição da bíblia pagã dos gerentes de projeto, o PMBOK, em um projeto é preciso gerenciar integração, escopo, tempo, custo, qualidade, recursos humanos, comunicação, riscos e aquisição. Nada que um misto de super-homem com batman não consiga fazer.

Para realizar tudo isso, o gerente de projeto (doravante denominado GP) precisa estar a par de tudo o que está acontecendo à sua volta. Precisa negociar com fornecedores, acompanhar cronogramas, gerenciar equipes muitas vezes geograficamente afastadas, controlar custos.

Nada disso é novidade. Mas o que mais impressiona é que as decisões mais importantes, aquelas que realmente podem mudar o rumo de um projeto – ou de qualquer tarefa, para dizer a verdade – não é tomada pelo GP, mas por seu chefe.

Nunca parou para pensar por que você teve que explicar ao seu chefe tintim por tintim todo o processo de negociação que houve com um fornecedor até a ocorrência de um impasse para que ele, o chefe, possa negociar com a direção desse fornecedor e fechar um acordo? Simples: porque o chefe não estava lá. Quem passou semanas, às vezes meses, numa negociação com vários vais e voltas com o equivalente do outro lado foi o GP. Quem conhece as necessidades dos demandantes que se traduziram em um escopo que agora está ameaçado é o GP. Quem entende que o caminho mais curto para uma entrega dentro um prazo infactível pode comprometer irremediavelmente a qualidade técnica do produto final é o GP. Mas quem vai negociar e decidir isso tudo com o fornecedor, cliente ou quem quer que seja quando ocorre um impasse é o chefe do GP.

O cenário não é tão desesperador porque, nesse caso, a recíproca é verdadeira. Do outro lado da mesa, negociando com seu chefe que não entendeu as nances do problema, está o outro chefe – o chefe do outro lado –, que também não entendeu bem o que a equipe dele lhe passou antes de se reunir com o seu chefe. Temos o caso de duas pessoas desinformadas, ou no mínimo mal informadas, que decidirão o rumo de um trabalho que consumiu meses de esforço de duas equipes em uma reunião de algumas horas, sem que saibam muito bem qual o impacto para o projeto das concessões que inevitavelmente terão que fazer para chegar a um acordo.

A teoria da decisão e sua prima, a racionalidade, dizem que quanto mais informações, maiores as chances de acerto. O custo de ter absolutamente todas as informações para uma tomada de decisão é proibitivo, mas o preço de tomar decisões sem os dados fundamentais é elevado demais. Pessoas que não participam do dia a dia de um projeto ou tarefa, que não estão lá quando as coisas estão acontecendo, é que decidem em lugar daqueles que conhecem o assunto e sabem onde está o problema e, mais ainda, sabem onde não está a solução.

Ladyhawke e o feitiço de Áquila

Todo chefe tem um chefe. Essa regra, impiedosa, é verdadeira qualquer que seja a hierarquia ou organização. Todo mundo tem alguém a quem deve obediência, dar respostas sobre assuntos que não sabe, pedir brandamente a liberação para um curso ou viagem de trabalho. Todo mundo tem alguém que lhe cobra o cumprimento do horário.

Por isso a ausência de um chefe é libertadora. Sentimo-nos livres, senhores de nós mesmos, líderes da nossa existência naquelas oito horas que somos obrigados a passar no escritório. Ou sete, quando o chefe não está.

Qualquer que seja o nível hierárquico, a sensação de liberdade é a mesma. Mas há uma pedra nesse caminho para o paraíso: o substituto. Sim, aquela pessoa a quem não damos muita importância no dia a dia, a quem vemos como mais um colega de trabalho vítima das piadinhas de que todos no escritório são alvo, que não raro senta na baia do lado, longe da sala exclusiva dos chefes. Nesse dia, quando o chefe de verdade não está, o substituto assume o papel com uma determinação messiânica, como se a responsabilidade pelo sucesso de toda a empresa estivesse em seus ombros. Afinal, a ele foi confiada a tarefa de conduzir o barco enquanto o capitão estiver dormindo. E se houver um iceberg logo à frente? E se o tempo mudar, e uma tempestade sacudir o navio justamente quando ele estiver no leme? O substituto tem que estar sempre alerta, sempre atento ao que está acontecendo. Ele tem que se mostrar à altura da missão temporária que lhe foi confiada.

Há também a questão de manter a moral na equipe. O substituto, apesar de parecer gente como a gente, é um cara diferente. Ele tem um quê, tem alguma coisa que o resto da equipe não tem. Ele ainda não é chefe, mas está no caminho. Aquela incumbência temporária não é nada mais nada menos do que um teste, uma prova a que ele está sendo submetido para mostrar que, um dia, quando o chefe de verdade se aposentar ou virar chefe do chefe, ele pode assumir o cargo de maneira definitiva. E sair daquela baia e daquele ramal compartilhados e cumprir seu destino manifesto: sentar na sua própria mesa, na sua própria sala.

Por isso, na maior parte das vezes o substituto consegue ser mais caxias do que o chefe quando está no comando. Afinal, ele precisa passar na prova com nota dez. É o primeiro a chegar, o último a sair e vive perguntando se o colega na baia do lado precisa de alguma ajuda. Ciente da responsabilidade que tem nas mãos, para a qual se preparou a vida inteira, o substituto quer mostrar que merece deixar a transitoriedade e alcançar a  permanência. Jogando para a torcida e para o técnico, tenta mostrar que não é à toa que chegou onde chegou, ele merece aquilo, na verdade merece ainda mais. É só uma questão de tempo e paciência até o chefe se aposentar.

Mas temos também o substituto Ladyhawke. Tal como no filme, você nunca vê os dois – ele e aquele que ele substitui – ao mesmo tempo. Mantendo uma espécie de relação simbiótica com o chefe, na verdade são duas pessoas fazendo o trabalho de uma. Há uma reunião importante que não se pode faltar? Aquele que estiver no plantão, comparece. Precisa levar o cachorro no pet shop? Não tem problema, o outro assume a chefia. E não estamos falando aqui de férias, quando faz todo o sentido que um assuma o papel do outro que está na praia. É mais uma questão de rotina diária de trabalho: para que duas pessoas presentes na empresa, se uma pode dar conta do recado? Combinando sempre seus horários, quando um sai – muitas vezes no meio da tarde – o outro chega, de modo que há sempre alguém no leme. O navio nunca fica à deriva, há sempre um comandante para puxar abruptamente o barco à bombordo e escapar do iceberg iminente.

É claro que o substituto Ladyhawke tem seus problemas. E por “seus problemas”, eu quero dizer seus mesmo, caro leitor que tem um trabalho para fazer, não do chefe ou do substituto. Posicionou o chefe sobre uma questão em que precisa de ajuda? Na reunião de diretoria em que o assunto vai ser debatido, é o substituto quem vai estar lá, sem saber do que se trata. Ou, se tiver sorte e tempo antes da reunião, você vai poder repassar pacientemente todo o assunto novamente ao substituto, para que ele possa tomar uma decisão que invariavelmente vai ser diferente daquela que você já tinha meio que acertado com o chefe. Ou o inverso: no plantão daquele dia o substituto é quem estava no posto, então após contar a ele todo o seu problema, ele vai dizer “Vamos aproveitar a reunião de diretoria do dia 23 às 09h para tratar disso”, antes de lembrar que ele não vai estar na empresa no dia 23 pela manhã pois marcou horário na concessionária para hidratar o banco de couro do carro. Mas não tem problema, o chefe vai estar no escritório no dia da reunião, é só você não se atrasar de jeito nenhum naquele dia e estar lá às 08h em ponto para repassar tudo novamente a ele. Que vai tomar uma decisão completamente arbitrária, pois não teve tempo de entender a complexidade de tudo o que você falou – mas isso já é assunto para outro post.

Aparecer e desaparecer

Reuniões são oportunidades para aparecer e desaparecer. Quem está no comando adora uma reunião. Quando reúne toda a equipe, olhando reverentemente para ele e aguardando o próximo pronunciamento que mudará suas vidas de uma maneira que elas não podem sequer imaginar, o chefe-guru encontra o sentido de sua existência. Ali estão pessoas que precisam de um guia, que não sabem como cozinhar um macarrão sem ler a receita atrás do pacote, que sem alguém para lhes dizer o caminho estarão irremediavelmente perdidas no mundo. Naquele dia, o chefe-guru está epifânico.

Do lado dos que receberam o convite da reunião nas suas caixas do Outlook, a felicidade é completa. Uma tarde inteira sem redigir relatórios que alguns vão imprimir e ninguém vai ler, sem telefone tocando com urgências desimportantes, sem navegar nos mesmos sites de sempre. Uma mudança de rotina que não traz mais trabalho. Aliás, que não traz trabalho nenhum. Basta ficarem sentados nas confortáveis cadeiras da sala de reunião, que em nada lembram aqueles assentos tortos e descascados de suas baias, olhando de vez em quando para o chefe, mexendo a cabeça e fingindo interesse, enquanto navegam nos mesmos sites de sempre em seus smartphones conectados na rede da empresa. Que, por sinal, só funciona nas salas de reunião. Após toda uma tarde nesse evento, quando a reunião é encerrada às 17:30h só resta tempo para voltar à baia e dar uma olhada nos últimos e-mails no Hotmail, desligar o computador e enfrentar o engarrafamento nosso de todo dia. Menos um dia de trabalho terminado.

E o assunto da reunião? Isso é o que menos importa. No convite do Outlook, havia menção a algo como “compartilhar informações sobre os projetos”. Na dinâmica proposta, cada responsável por um projeto, um após o outro, deve fazer um reporte sobre seu trabalho, o que foi feito e quais as dificuldades que está enfrentando. Enquanto os demais navegam em seus smartphones. De vez em quando, uma frase chama a atenção de alguém na sala, que inicia um debate acalorado com o palestrante da vez sobre uma ferramenta que está sendo usada nos dois projetos e que não está funcionando. Ou sobre uma falha no processo de gestão de projetos adotado pela empresa e que está atrapalhando os dois. O chefe intervém, registra o assunto em algum caderno que depois não vai mais olhar e chama o próximo da fila para dar seu relato.

Apesar de aparentar ser um momento produtivo, em que problemas comuns a mais de um projeto podem ser identificados pelo compartilhamento – ou “socialização” – de informações que de outra forma jamais aconteceria, esse tipo de reunião é uma total perda de tempo. Sem uma pauta definida e sem uma lista de ações estabelecida ao final, a reunião serve apenas para a equipe fazer o trabalho de gestão que o chefe não fez, que é acompanhar os projetos em andamento, identificar os gargalos existentes e tomar as ações para retirar as pedras do caminho. Inclusive aquelas pedras que estão no caminho de mais de um projeto. Ao usar a equipe para fazer seu trabalho de gestão, o chefe tira dessa equipe uma tarde inteira em que poderia estar fazendo o trabalho dela, que é  executar o cronograma do projeto.

Uma outra forma, eficaz, de chegar ao mesmo resultado são reuniões um-a-um entre o chefe e o responsável por cada projeto. Ao final de uma rodada dessas reuniões com todos os responsáveis por projetos em sua equipe, o chefe eficaz terá uma visão de tudo o que está acontecendo em sua área e quais problemas e gargalos estão atrapalhando o alcance dos resultados. Inclusive aqueles comuns a mais de um projeto e que precisam de ações coordenadas para resolvê-los. De posse desse panorama, esse tipo de chefe convocará as pessoas específicas e que tenham relação direta com cada assunto para endereçar as ações de correção, ou escalará o problema para sua própria chefia se uma ação mais estratégica ou de maior empowerment for necessária.

Nessa abordagem com foco definido, o chefe gastará toda uma tarde coletando as informações. Mas cada responsável por projeto usará apenas alguns minutos, dez ou quinze, para fazer o reporte diretamente a quem interessa, o chefe, e poderá voltar à execução de seu cronograma. Mas, ao contrário da reunião plenária, a abordagem um-a-um não dará a oportunidade do chefe aparecer e da equipe desaparecer em uma tarde chata de véspera de feriado.
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